Bichinho de Conto

Mafalda Milhões é uma ex-aluna do nosso curso, fundadora da editora “O Bichinho de Conto”. Fomos a Óbidos visitar a sua livraria, onde fomos recebidos com chá e bolachinhas, para conversar sobre livros entre livros.

Então surgiu enquanto estava no curso de Tecnologia e Artes Gráficas (TAG)?
Este projeto é TAG do princípio ao fim. Aliás, isto é uma espécie de uma birra elevada a um externo muito grande – “não consegues… consigo, consigo… não consegues… consigo, consigo… não consegues… vais conseguir… eu vou, vou sim senhora” – e isto depois desdobra-se assim. Agora, o nosso estímulo foi querer ver como as máquinas funcionam. A dada altura, o projeto começa mesmo no nosso departamento com a impressão do 1.o livro que é o “Perlimpimpim Perlimpimpão”. O primeiro exemplar deste livro que é o primeiro livro da editora, foi impresso no departamento de artes gráficas. A lombada do livro era um degradé, todos os 500 livros eram um degradé que ia do roxo por azul, ou seja, os 500 livros foram a prova de cor, foram a nossa afinação, depois quando a máquina estava afinada já não tínhamos de imprimir mais livros. As provas foram feitas na Hamada, tudo foi feito no departamento. Na altura ainda com fotolitos e impresso na Heidelberg. A única coisa que nós não conseguimos fazer foi os acabamentos, porque não tínhamos forma de coser e, por isso tivemos de fazer os acabamentos todos fora.

Mas a maior parte dos livros são infantis?
Eles são porque são ilustrados… Gosto de pensar que estou a trabalhar com o que eu aprendi nas artes gráficas, e a produzir objetos gráficos de qualidade em que muitas pessoas se podem envolver e ter experiências, assistir, contar, ler histórias. Porque pegar num álbum ilustrado ou num catálogo de ilustração para mim é exatamente a mesma coisa. Fazer uma ilustração para um catálogo, para uma exposição ou para um livro, o empenho é exatamente o mesmo.

O que mudou com a atribuição do Prémio Nacional de Ilustração em 2004 com o livro “Come a sopa Marta”?
Mudou muita coisa. Em primeiro lugar o “Come a sopa Marta” é o primeiro livro ilustrado a vencer o Prémio Nacional de Ilustração onde é o próprio ilustrador que faz o livro todo. Até então um álbum ilustrado era premiado, mas nunca um ilustrador tinha ganho um prémio. Depois é o primeiro álbum ilustrado no país onde há mais ilustrações que texto. Por fim é o primeiro livro a ser premiado onde não há uma história com muitos acontecimentos, não é uma narrativa onde a personagem vai e acontecem coisas e depois ela volta aos sítios, ou sai de um sítio e vai para outro. Não, é a história de uma menina que não gosta de sopa. A história passa-se num momento e se o livro durar um tempo não dura mais de duas horas, que é o tempo de ela se sentar à mesa com a sopa e de a comer. Isto fez com que houvesse uma grande evolução no nosso país ao nível da ilustração, porque até então o texto tinha um peso muito grande. Como é que nós trabalhamos um livro onde a ilustração também conta a história? Vocês têm aquele exemplo de contar a história e dizer – Estava a menina debaixo de uma árvore a comer uma maçã. E o que é que está na ilustração? Está a árvore, a menina debaixo da árvore a comer a maçã. Isso é aquilo que não queremos, achámos que tem de haver três agentes: há uma história, há a ilustração e há o leitor que é uma peça muito importante, que tem que ler coisas que não estão lá. Tem que ter dados e pistas para ser capaz também de acrescentar coisas e poder imaginar para lá do que lá está.
A grande piada do livro começou depois, quando nós com a SPAL, imprimimos 50 pratos em cerâmica. Todas as vezes que fazíamos a apresentação do livro, foi a comer uma sopa verde e feia. Foi uma coisa que ninguém estava à espera, mas mais uma vez vocês vêm que não é só um livro, que o livro potencia outras experiências. É como se os livros fossem pretextos para termos encontros de várias maneiras. Não sei se vocês já tinham pensado desta forma, mas ele é só um pretexto para chegar a outro.

Mas vê-se a mudar de espaço daqui a 10 anos? Estar noutro espaço diferente deste?
Não sei… mas eu de vez em quando preciso de mudar. Este é um espaço que me serve muito bem. O que está a acontecer é que 15 anos depois ele está a modificar-se para que ele possa continuar a ser este sítio de experiência e os livros possam ser vendidos mesmo sem as pessoas virem aqui. Neste momento o que nós estamos a fazer é trabalhar no site, nas vendas, nos embrulhos, nos pacotes, quase como estarmos a trabalhar numa mini amazon idealizada naquilo tudo que eu disse, onde a pessoa pode comprar o livro, a experiência, o kit, o workshop e que possa viver o livro em diferentes dimensões. Isso é uma parte que nos está em falta e por isso é que estamos assim mais parados, menos ativos para fora e estamos a fazer este trabalho mais interno.



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