Jorge Silva

Jorge Silva é um designer especializado em Design Editorial e Direcção de Arte de Publicações Periódicas. Foi director de arte e ilustrador no Combate, no Independente e na revista 20 Anos, entre outros, e criou, para o jornal Público, os suplementos Ípsilon e Mil Folhas. No ano 2000 foi convidado a fazer a remodelação da revista Ler e, em 2001, criou um atelier que, nas suas palavras, “faz tudo aquilo que um atelier faz, mas que trabalha mais na área da cultura e da comunicação”. Entre 2007 e 2010 ocupou novamente as funções de director de arte, desta vez no Grupo Editorial Leya e ultimamente tem estado a exercer funções de docência em workshops e cursos de várias pós-graduações no Porto e em Lisboa. Fomos conhecê-lo em pleno Chiado, onde nos recebeu de braços abertos para uma conversa em torno das influências que envolvem o seu trabalho.
 
Que importância é que uma ilustração pode ter num trabalho editorial?
Aqui na SilvaDesigners somos conhecidos, e eu particularmente, por envolvermos a ilustração em projectos de publicações periódicas. Essa intimidade que eu fui criando com a ilustração permitiu-me ser não só um director de arte eficiente, mas também de ser capaz de adaptar a ilustração a conceitos, a ideias de comunicação para os nossos clientes, geralmente da área da cultura. Isso aconteceu frequentemente, ainda acontece hoje, mas menos. Permitiu, ao longo dos anos, muitas alegrias. Ganhámos prémios, tivemos um bom trabalho com uma mão-cheia de bons ilustradores. Esse trabalho é herdeiro directo daquilo que eu praticava nos jornais. Eu estou a trabalhar em jornais desde 1978, com o Combate. Em meados dos anos 80, começo não só a fazer ilustração, mas também a dirigir ilustradores, para o Combate e para o Contraste. Depois, no final da década, começam os jornais ‘a sério’, com o Independente, e depois o Público, e depois mais uma série de revistas pelo meio. Essa familiaridade com o dispositivo editorial, com a lógica editorial de um meio de comunicação, quer seja uma newsletter empresarial, quer seja um jornal diário ou semanal, permitiu-me ter um instinto aguçado, apurado, para aproveitar a ilustração na sua justa medida. A visão que os autores de texto (geralmente os editores, os directores dos jornais, os escritores e os cronistas) têm da ilustração é uma visão um bocado infantil e infantilizada, e eu não podia chocá-los muito facilmente com uma visão mais erudita ou mais ousada, porque obviamente ficava sem hipóteses de trabalho com a ilustração muito depressa.
 Acha que isso é negativo?
É usual, tal como nós achamos muita coisa sobre a fotografia ou a arquitectura, os fotógrafos e os jornalistas e os escritores acham o mesmo do design de ilustração. Em geral, mesmo grandes criadores têm uma visão utilitária e infantil da ilustração. E isso é um lado do problema com que temos que lidar. E temos que lidar com parceiros, no caso dos jornais, ou com clientes, no caso do atelier. O que eu consegui ao longo dos anos, às vezes com mais ruptura, às vezes com mais conformismo, introduzir em parceria a ilustração em projectos editoriais e gráficos, com bastante sucesso, com bastante agrado. E isso tem sido uma marca do nosso trabalho. Por que é que a ilustração pode ser interessante? Ela pode ser interessante como alternativa a uma espécie de usura, que aliás hoje é tremenda, com a imagem fotográfica. Ela é também uma visão codificada. Eu tenho muita atenção a isso: a questão muitas vezes não é conceptual, sobre a história que a ilustração conta, mas é a história que o traço e o grafismo do ilustrador conta. E isso para mim é importante. Aí a ilustração tem que servir como uma espécie de elixir da juventude para mim, porque eu trabalho geralmente com ilustradores de uma geração mais nova do que a minha. Sempre fiz isso. Também são, para mim, um garante de uma certa atualização. Claro que há um limite etário, mas consegui, de alguma maneira, fazer uma reciclagem do meu próprio trabalho e da minha visão gráfica do mundo, graças ao trabalho desses ilustradores. Há aqui também uma simbiose.
 Quais são as características que influenciam a sua opinião quando discute, comenta ou selecciona uma ilustração?
(o inicio desta entrevista encontra-se disponível na edição impressa)
Na sua opinião, de que forma uma ilustração pode prejudicar ou ajudar a tarefa de direcção de arte?
Dou um exemplo. Uma vez, no Independente, apareceu-me um desenhador que desenhava à maneira do Hugo Pratt, do Corto Maltese. Era uma cópia descarada. Uma boa cópia. O trabalho era magnífico! Imagina que eu não conhecia o Hugo Pratt, nem o Corto Maltese, podia ter arriscado publicar aquele trabalho, sem conhecer. Iria sentir-me enganado, uns tempos mais tarde, quando alguém mais atento do que eu me dissesse que era igual ao Corto Maltese. O conhecimento de quem dirige e de quem gere é muito importante, até para detectar “fraudes” e influências. Às vezes as pessoas nem se apercebem. Como designer, já me aconteceu, copiar de uma maneira apaixonada. Aliás, os escritores, às vezes, quando são apanhados, vêm com essa conversa, de que o plágio é um acto de amor, e é de certa maneira. Para quem gere o trabalho dos outros, isso é muito importante. Para quem faz, muitas vezes, essa influência pode ser muito importante para ganhar um certo lastro de independência da mediocridade ou dos condicionalismos daquilo que o rodeia. Um ilustrador que possa pegar num excelente exemplo daquilo que se passa lá fora pode estar também a fazer um acto de libertação. O problema é se, anos depois, ele continua ali. Mas a cópia e a inspiração são extremamente importante para fazermos rupturas em relação àquilo que nos rodeia. Eu costumo dizer, em vários contextos, que eu prefiro uma boa cópia a um mau original. Em matéria de Design, esta frase, esta expressão, é melindrosa, é delicada. Mas eu não quero saber! Já me aconteceu, já vi acontecer. Em vez de nos copiarmos a nós próprios de uma forma desinteressante, se copiarmos um bom autor, apesar de tudo, é mais interessante. Ao fim ao cabo, a história da ilustração e do Design, vive de avanços e de recuos, de reciclagem de fontes, de ideias, de imagens. Portanto, isto é um processo que eu considero normal. Há quem o faça elevar à categoria de Arte. Na Arte, em que nós consideramos de uma forma ética, mais conservadora, achamos que isso é um problema. É um problema se nos afundarmos nisso. Mas eu considero que a inspiração (e às vezes a aspiração) de referências é importante para as coisas avançarem.
Quando é que pretende reunir esse conhecimento?
(o inicio desta entrevista encontra-se disponível na edição impressa)
 
Isto significa que a procura de projectos para tablets é reduzida?
Muito reduzida! Tablets: zero! Estamos cada vez mais a trabalhar em webdesign. Há cerca de um ano atrás, para um cliente que tínhamos (e para o qual íamos fazer a imagem gráfica, o catálogo, os papéis e os estudos) propusemos um site. Inventámos, do nada, numa dessas plataformas de wordpress, um site, uma espécie de um jornal progressivo de um evento, durante uns meses, que teve o seu clímax em Março do ano seguinte, e que era sobre a presença de Portugal numa feira de livros infantis em Bolonha (o site ainda existe, chama-se Portugal Bolonha 2012). Fiz um projecto, contratei uma editora e um fotógrafo, que também fazia filmes. É simples, mas é aquilo que eu gostaria de fazer no webdesign: adicionar conteúdos e adicionar um nível de comunicação mais interessante do que aquilo que a maior parte dos clientes tem nos seus sites. Mas isso é difícil de cobrar, de fazer pagar. Obviamente que as marcas comerciais, que geralmente trabalham com publicidade, estão mais atentas a isso. Na área da cultura institucional, é muito difícil conseguir rentabilizar nas plataformas digitais. Ainda assim, consegui ganhar dinheiro mais justo com o papel do que com o digital. As razões são óbvias: estamos a trabalhar num contexto em que há centenas, senão milhares, de designers com formação académica, que são nativos em plataformas digitais, e fazem-no com imensa facilidade. Não precisam de um escritório, não precisam de uma impressora, não precisam de nada. Isso obviamente reduz o valor dessa mercadoria. Não me estou a queixar, mas é isso que acontece. E depois, como nós sabemos, há falta de dinheiro. Nas empresas e nas instituições públicas, o último pescoço a ser cortado é do administrador, do director, daquela pessoa que nos contrata. O nosso pescoço vai primeiro, o deles é o último. Mesmo assim, já não há pescoços seguros!


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