The End
A primeira versão desta afirmação de Antonio Sena, tinha sido publicada quase dez anos antes e, pensando bem, mantém-se apesar de tudo atualizada ainda hoje, mais de vinte anos passados sobre essa primeira versão.
É cada vez mais difícil encontrar alguém que nunca tenha fotografado, e quase impossível, encontrar quem nunca tenha sido fotografado. E logo que foi inventada, a Fotografia foi tida como capaz de, finalmente, realizar o inventário de todas as coisas, e tanto foi, e tem sido capaz de o fazer, que hoje, vivemos cercados por representações técnicas da realidade, fotografia, vídeo ou cinema, vivenciando essas substituições da realidade, como se da própria realidade se tratasse.
Será provavelmente impossível, contabilizar o número de novas fotografia realizadas em cada dia que passa, mas serão certamente muitos milhões.
Para que servirão tantas imagens? Como as utilizam as pessoas que as fazem e que as vêm? Como as interpretam? Que impacto cultural e por conseguinte, que mudança, estará a imagem fotográfica a produzir no cidadão comum e na sociedade em geral?
Ou será que o ato de fotografar e de guardar e partilhar fotografias, está já de tal modo integrado socialmente, que se tornou um gesto sem quaisquer consequências específicas, como já questionava Pierre Bourdieu, no seu interessante trabalho “Un Art Moyen, Essais sur les usages socioux de la photogrphie, publicado em França pelas Editions de Minuit, em 1995?
Talvez afinal, e como diz Vilém Flusser, no seu trabalho “Ensaio Sobre a Fotografia – Para uma Filosofia da Técnica, publicado em Lisboa, pela Editora relógio de Água em 1998, as imagens técnicas, que cada vez mais nos cercam e preenchem as nossas vidas, vão sub-repticiamente substituindo a realidade sem que disso nos demos conta…
Por falta de sentido crítico? Poder-se-á falar de iliteracia visual, a propósito dessa suposta incapacidade para fazermos essa distinção, e para dela tomarmos consciência?
Ou seremos todos um pouco ingênuos frente à capacidade da fotografia para se mascarar de realidade?
Entretanto a Fotografia libertou-se do seu tradicional suporte dito analógico, película ou papel, e hoje existe numa realidade que foi descrita, no final dos anos 90 por Nicholas Negroponte, no seu livro “Ser Digital”, publicado em Lisboa pelas Edições Caminho, em 1995, como sendo uma realidade onde a transação dos átomos, pesados, volumosos e desenfreados consumidores de energia, tem sido rapidamente substituída, pela transação de unidades de informação, bits, ou sucessões de zeros e de uns, os quais não têm peso nem volume…
A noção de transação a que esse autor se refere, terá que ser entendida como sinónimo de troca ou transporte. Isto é, se tomarmos como exemplo e para simplificar, a antiga fotografia a preto e branco, podemos considerar que se tratam de átomos de prata, organizados de uma determinada maneira, num meio ligante, sobre um suporte, opaco ou transparente. A imagem fotográfica assim organizada, tem uma existência física e palpável, o que não acontece quando falamos de imagem ou fotografia dita digital, ou electrónica, que não tem nem peso nem volume. Como refere Negroponte, neste caso não é preciso transportar a fotografia digital, não se transporta nada por telefone, pois não? Mas pode-se enviar uma fotografia digital por telefone… Todos os dias se enviam milhões de novas fotografias por linha telefónica.
E se é verdade que a fotografia ainda se obtém a partir de uma câmara escura, dotada de sistema óptico, e nessa caso, nada mudou, a verdade é que tudo o resto já pertence a outra realidade, e uma das características mais inovadoras do ser digital, estará certamente no conceito descrito no trabalho de Negroponte: a ausência de peso e de volume e por conseguinte a libertação do suporte físico, que leva á possibilidade, entre outras, de a mesma fotografia, poder existir em diferentes sítios ao mesmo tempo…
É por isso que a fotografia talvez seja o primeiro “objecto” instantâneo, e de significado universal, na medida em que vence o espaço e o tempo, porque, praticamente no instante em que é realizada, pode ser distribuída universalmente, substituindo-se á realidade que supostamente representa e podendo ser compreendido, independentemente da língua ou cultura onde é recepcionado.
Por outro lado, existe ainda uma outra circunstância interessante, que resulta do facto de que, enquanto a distribuição dos cristais sensíveis á luz, na fotografia tradicional, é aleatória e imprevisível, no caso da fotografia electrónica, cada unidade de informação está perfeitamente localizável, inclusive num sistema GPS, e descrita nas suas características, mais ínfimas. Assim, a fotografia digital, é cada vez mais manipulável, por sistemas e programas informáticos, cada vez mais sofisticados, e capazes de alterar a imagem inicialmente formada, pelo sistema óptico, sobre o sensor electrónico. Esta alteração far-se-á, de acordo com um programa preestabelecido.
No fundo, num processo complexo, que se começa a assemelhar muito com o da própria percepção visual humana: vemos aquilo que somos ou o que sabemos… Ou seja, como já demonstraram os biofísicos, o processo da visão, não resulta apenas da construção física da imagem, mas sim e muito mais, de um processo de interpretação e de interpolação, no qual a aprendizagem e a cultura adquirida, têm um relevante e determinante, papel.
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